28 novembro 2008

POR UMA VIDA MENOS ORDINÁRIA

Hoje de manhã, fui levar meus donativos na Cruz-Vermelha pra ajudar as vítimas da tragédia em Santa Catarina. Nem precisa dizer que saí de lá em prantos e assim permaneci por ininterruptos trinta minutos. Tristeza e esperança. Uma mistura de tristeza com a pobreza do mundo e de esperança por ver que existem pessoas boas. Não consegui ficar lá por muito tempo. Senhoras de idade avançada chegavam com seus maridos levando comida. Varias pessoas chegando e saindo, cada um ajudando como podia. A maioria senhores de idade, classe média.

Em seguida, fui almoçar no self-service onde almoço quase todos os dias. Eu fui uma das últimas a entrar no restaurante que estava encerrando o horário de almoço. Do lado de fora, pude ver dois homens adultos e uma criança de uns oito anos de idade. Todos com vasilhas de plástico nas mãos, esperando o horário do restaurante fechar pra ganhar a comida do dia. Cenas como essa me cortam o coração.

É muito fácil acreditar em Deus quando você dorme numa cama queen, anda de carro com ar-condicionado que seus pais te deram e mora num prédio com lavanderia cujo condomínio é maior que o salário de uma família inteira. É muito fácil rezar e agradecer a Deus por tudo que você tem quando você tem tudo que quer. Agora, tente explicar o que é Deus pra alguém que não tem o que comer. Pra quem perdeu casa, dignidade e família na enchente. Tente explicar como Deus é bom pro menino que nasceu na favela e viu a mãe morrer com um tiro na cabeça. Será que Deus gosta mais de mim do que das pessoas cujas casas foram levadas pela força das águas? Será que Deus gosta menos daquele pai com a criança na porta do self-service segurando uma vasilha sem comida e esperando sua vez de comer? Será que Deus gosta mais dos filhos da Angelina Jolie do que dos filhos da mulher que dorme embaixo da marquise do meu prédio?

Hoje de manhã, olhando praquela miséria toda, aquele amontoado de coisas e trapos jogados na sede da Cruz-Vermelha (colchões velhos, cobertores sujos, roupas usadas) que vão servir pra muita gente que não tem sequer um teto agora, cheguei a falar em voz baixa: Deus, cadê você? E então percebi que o inferno é aqui mesmo, na Terra. E enquanto milhares de boas almas se mobilizam para ajudar como podem, as pessoas agradecem a Deus a ajuda recebida. Chamamos de Deus as bênçãos que recebemos.

Talvez Deus exista sim, mas não é o cara que fica escutando nossas orações repetidas em terços, novenas de 900 dias e que comparece à missa todo domingo pra ouvir nossos pedidos. Mais importante que rezar, ir à missa ou subir a escada da catedral do escambau de joelhos é sermos humanos. Tem muita gente que faz promessa pra arrumar namorado e, em troca, fica um ano sem comer chocolate. O que ficar um ano sem chocolate vai ajudar o mundo? Isso é pra Deus ou pra cintura de quem fez a promessa? Enquanto cada um estiver voltado pro próprio umbigo, não há Deus que dê conta do mundo. Quando cada um fizer sua parte, ajudar como pode, pensar mais no outro, se doar mais, vamos olhar pro lado todo dia e saber exatamente onde Deus está. Em cada um de nós.

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Amores, quem quiser ajudar, em BH, a Cruz-Vermelha está recebendo doações na sua sede: Alameda Ezequiel Dias, 427 (atrás do Parque Municipal). Tem estacionamento lá dentro e tudo mais. Beijos a todos.

04 novembro 2008

O FIM DA PICADA

Mais um ano vai chegando ao fim e, de repente, nos damos conta de que as lojas Americanas já estão enfeitadas com pinheiros e bolas douradas, e que, por não termos nos comportado bem em todos os meses anteriores, Papai Noel não vai trazer presentes na noite de Natal. Precisamos urgentemente reparar nossos erros, afinal, o ano está se encerrando e temos mesmo que ser bons e fazer o bem. Adoro essa hipocrisia que se acentua nos meses de novembro e dezembro.

Passamos os dias, o ano, a vida, voltados para nosso próprio umbigo. Compramos coisas caras, pagamos longas prestações e assumimos dívidas a perder de vista no cartão de crédito. Freqüentamos bons restaurantes. Gastamos com balada e bebida cara. Pagamos o que podemos. Acho justo, afinal, não é pra isso que trabalhamos? Trabalhamos para pagar nossas próprias contas, não as dos outros. Estou mentindo? No máximo, damos um trocado pro flanelinha (com muita má vontade) e uma moedinha no sinal de trânsito.

Mas o final do ano se aproxima. Natal, Papai Noel, os veadinhos e o escambau. Tudo isso mexe com as pessoas e nos sentimos compelidos a sermos pessoas melhores. Sim, da noite para o dia. O tio-avô gordo caloteiro da família se traveste de bom velhinho, as madames compram brinquedinhos na loja de 1,99 para levar para as crianças carentes que passaram o ano todo abandonadas nas creches, os artistas drogados fazem doações de cheques no programa do Gugu. Acho lindo. Linda hipocrisia que assola o mundo.

Muito bonito fantasiar-se de velhinho barbudo na noite do dia 24 de dezembro, visitar creches, fazer doações e levar brinquedos para criancinhas carentes. Mas será que é isso mesmo que faz de nós pessoas melhores? Será que é disso mesmo que o mundo, as crianças, os orfanatos e os pobres estão precisando? E quanto a todas as noites de julho na gélida São Paulo onde mendigos descalços dormem nas ruas debaixo de papelão sem ter sequer uma meia para esquentar os pés? E quanto às farras de carnaval em que pessoas catam latinhas jogadas na rua por aqueles que se embriagam e sequer tem o mínimo de educação pra jogar a lata no lixo? E quanto àqueles que precisam de roupa o ano todo pois precisam se vestir não só em dezembro?

Muito cômodo fazer caridade no final do ano. Acho lindo mesmo. Mas, de verdade, não é de esmola que o mundo precisa. O mundo precisa é das pequenas coisas. E não estou falando de brinquedo de 1,99, de bola de futebol ou de bicicleta no Natal. O mundo precisa é de atitudes mais humanas. De honestidade, de sorriso, de bom-humor, de boa vontade, de amizade, de mães e pais de verdade. De educação. Quer ajudar o próximo? Que tal começar doando aquele monte de roupa cara que você usou uma vez só? Que tal fechar a torneira enquanto escova os dentes, reciclar seu lixo, economizar energia elétrica, usar menos o carro? Que tal adotar um cachorro de rua? O mundo ta cansado de gente que dá esmola e trata mal o porteiro. Que faz caridade e não sorri pra uma criança pobre na rua. Que veste de Papai Noel e rouba dinheiro da empresa. Ser uma boa pessoa não tem a ver com fazer caridade uma vez no ano. É uma postura não só de Natal, mas de uma vida toda. É um olhar diferente sobre o mundo e sobre o que eu posso fazer para melhorar o mundo ao meu redor. Criança gosta de ganhar brinquedo no Natal sim. Mas nos outros dias, ela precisa de carinho, atenção, comida, respeito, educação e saúde. Quer fazer o bem? Comece tratando bem quem está do seu lado.